Sem Xi e Putin, cúpula do Brics não terá relevância que Lula queria

O Brasil vai receber a partir do próximo sábado (7) a cúpula de países do Brics, porém, sem a presença dos principais líderes do bloco: Xi Jinping, da China, e Vladimir Putin, da Rússia. O evento era uma das principais apostas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para sua agenda internacional deste ano, mas perdeu importância diante de conflitos, como a recente escalada da crise no Oriente Médio, a guerra tarifária travada pelo presidente americano Donald Trump, e ainda os fracassos de Lula no cenário internacional.
Além do Brasil, China e Rússia, o grupo tem ainda em sua formação original a Índia e a África do Sul. Recentemente, o bloco aprovou a entrada de Egito, Irã, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Indonésia e Arábia Saudita. À exceção da Etiópia e Indonésia, todos os demais são países do Oriente Médio, região afetada pelo conflito entre o Irã, Israel e Estados Unidos.
Contudo, a ausência de Xi Jinping é vista com a principal derrota para a diplomacia de Lula para a cúpula dos Brics. Em maio, o presidente brasileiro esteve em Pequim para reforçar o convite e, após a viagem, chegou a afirmar que o líder do governo chinês estaria no evento do Brasil.
Desde que Donald Trump retornou à presidência nos Estados Unidos, Lula tem buscado ampliar sua relação com Xi Jinping para tentar blindar o Brasil das políticas tarifárias do norte-americano. “Nossa relação com a China não é trivial, é estratégica, e queremos tudo que eles possam compartilhar conosco. O Brasil não tem medo de competir com os Estados Unidos, na quantidade e na qualidade dos nossos produtos. Acho que quanto mais produto, quanto mais comércio, melhor para todo mundo”, disse o petista durante sua passagem por Pequim.
Apesar dos afagos do petista, a China será representada pelo primeiro-ministro Li Qiang. Questionado sobre a ausência do líder chinês, o ex-chanceler Celso Amorim, assessor de Lula para assuntos internacionais, minimizou. “Gostaríamos muito que Xi viesse, porque já há uma relação pessoal do Lula com ele, e isso também conta, não é só o cargo”, disse.
Analistas ouvidos pela reportagem afirmam que XI Jinping pode ter ficado desconfortável com o governo brasileiro desde a visita de Lula a Pequim, marcada por situações desconcertantes envolvendo a primeira-dama Rosângela da Silva, a Janja.
Em maio, na China, Janja teria reclamado, diretamente a Xi Jinping, que o algoritmo da plataforma chinesa favorece conteúdos da direita no Brasil. O líder chinês teria respondido que o Brasil tem o direito de regular ou banir o TikTok. A fala da primeira-dama sobre o TikTok teria causado constrangimento durante a reunião do presidente brasileiro com o ditador chinês. Com a repercussão negativa do incidente, Janja alegou ter sido “vítima de machismo”.
Com pedido de prisão válido, Putin deve fazer apenas um discurso virtual
Outra ausência quer será sentida pela diplomacia brasileira será a de Vladimir Putin. Em 2023, o Tribunal Penal Internacional (TPI) condenou o ditador da Rússia à prisão por crimes de guerra durante a invasão da Ucrânia – principalmente por sua participação nos raptos de ao menos 19 mil crianças e adolescentes em territórios ucranianos temporariamente ocupados. Por conta dessa condenação, países signatários do tribunal, como o Brasil, devem necessariamente cumprir os mandados de prisão contra ele.
Ou seja, o governo brasileiro teria que decretar a prisão de Putin, caso ele desembarcasse em território brasileiro. Lula já afirmou em 2023 que Putin não seria preso se viesse ao Brasil em 2024 para a cúpula dos G20. Depois de sofrer críticas, nunca voltou a tocar no assunto de forma contundente e disse que caberia a Putin decidir se viria para a cúpula da Brics..
Para driblar o pedido de prisão, a Rússia será representada por Sergey Lavrov, ministro de Relações Exteriores. A expectativa é de que Lula faça uma autorização para uma declaração virtual de Putin no Brics, caso o russo tenha interesse em usar desse artifício na atual edição do encontro de países emergentes.
“O presidente participará por videoconferência, mas o ministro das Relações Exteriores (Sergey Lavrov) estará presente no Brasil. Isto se deve a algumas dificuldades no contexto dos requisitos do TPI, que tem sede em Haia”, afirmou o conselheiro diplomático do chefe de Estado russo, Yuri Ushakov.
Para o líder da oposição na Câmara, Luciano Zucco (PL-RS), a dependência de Lula em se alinhar com ditaduras mostra a incapacidade do petista em liderar discussões internacionais. “O que se vê é um governo ancorado em discursos ideológicos defasados, com uma gestão marcada por improvisos, revanchismos e ineficiência. O Brasil de Lula já não empolga nem convence. A tentativa de posar como líder global do Sul geopolítico não se sustenta diante de contradições evidentes”, defendeu.
Já Marcelo Suano, professor de Relações Internacionais e analista político, afirma que cúpula do Brics terá um resultado irrelevante, pois o Brasil e o demais presentes não terão autonomia para fechar acordos que Xi Jinping e Putin possam vir a se opor.
“Basta a China e a Rússia mudarem de perspectiva para que as decisões tomadas ali percam a validade. Isso mostra uma reunião fraca, a fragilidade da força do Brasil e do governo atual, que demonstra não ter capacidade de ser protagonista. Lula perdeu as condições que poderia ter como mediador internacional ao se mostrar da maneira como se mostrou nas duas guerras atuais”, explica.
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Além da ausência dos representantes da China e da Rússia, o evento organizado por Lula ainda será impactado pela ausência do ditador do Egito, general Abdel Fattah al-Sisi. Os presidentes da Turquia, Recep Erdogan, e do México, Claudia Sheinbaum, decidiram enviar representantes. Eles foram convidados pelo governo brasileiro para participar como convidados do evento.
Reservadamente, assessores do Palácio do Planalto admitem que, embora ministros e outros representantes possam levar adiante as discussões, a presença dos chefes de Estado é crucial para a tomada de decisões finais e para selar acordos de alto nível. Questões complexas, como a reforma da governança global, a cooperação econômica e temas sensíveis de política internacional podem ter seu avanço prejudicado sem a chancela direta dos presidentes. A ausência pode atrasar ou tornar inócuos os resultados esperados da cúpula.
Para Marcelo Suano, o Brics é a única agenda relevante para Lula na política internacional. “O Brics é o que resta para a política internacional do presidente Lula. A razão é simples: é o único bloco em que ele encontra parceiros, aliados ou colaboradores que não questionam, e não questionarão, a política externa atual do Brasil. Essa política externa está comprometida com esses países, mas, em especial, com uma visão antiocidente”, explica o analista.
Além disso, os negociadores da diplomacia brasileira têm agora o desafio de buscar um posicionamento de consenso sobre a questão do conflito entre o Irã, Israel e os EUA. Uma nota divulgada na semana passada antecipou o tom do que poderá ser aprovado numa declaração final da cúpula.
O texto publicado traz uma condenação ao ataque de “instalações nucleares de natureza pacífica realizados em violação ao direito internacional e às resoluções pertinentes da Agência Internacional de Energia Atômica”. Os ataques do Irã contra Israel foram mencionados apenas de forma superficial, sem atribuir culpa direta ao Irã.
Mesmo com o cessar-fogo da guerra entre Israel e Irã, a presença do presidente iraniano, Masoud Pezeshkian, é vista como incerta. Fontes diplomáticas avaliam que, no caso do Irã, tudo pode mudar até a última hora.
Outra pauta que gera conflito e foi abandonada, ao menos por enquanto, pelo governo Lula foi a criação de um sistema próprio para as transações financeiras internacionais, que não passe pelo dólar, entre os países do Brics. Esse tipo de discussão poderia ampliar o tensionamento com o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump.
O norte-americano já sinalizou que aplicaria sanções contra os países que adotassem uma moeda alternativa ao dólar em suas transações comerciais. Apelidado de Brics Pay, o modelo de pagamento alternativo já foi defendido publicamente por Lula.
Com o fracasso dessas negociações, a diplomacia brasileira vai focar em discussões sobre a regulamentação da inteligência artificial (IA) e em acordos de cooperação ambiental. Os ministros de Ciência, Tecnologia e Inovação (CTI) do Brics assinaram, na última semana, uma declaração final que reforça a importância de ampliar o acesso e o domínio de tecnologias e inovações pelos países do Sul Global.
“Pela primeira vez vai ter um documento que orienta uma ação comum e coletiva do Brics na área de financiamento climático envolvendo, por exemplo, reformas de bancos multilaterais, um maior financiamento concessional, mobilização também de capital privado e outras questões regulatórias também para assegurar que os fluxos possam fluir para os países em desenvolvimento”, explicou a embaixadora Tatiana Rosito, secretária de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda.
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