Novo Código Eleitoral: relator rejeita voto impresso

O parecer do senador Marcelo Castro (MDB-PI), relator novo Código Eleitoral (PLP 112/2021), rejeita a proposta de voto impresso e defende a confiabilidade das urnas eletrônicas. O projeto será votado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado nesta quarta-feira (9). Em outro trecho do texto, Castro cita que a divulgação de fatos “sabidamente inverídicos” que atentem contra o equilíbrio do pleito poderá gerar responsabilização cível, penal e eleitoral.
As emendas que defendiam a obrigatoriedade da impressão do voto foram apresentadas pelos senadores Izalci Lucas (PL-DF), Esperidião Amin (PP-SC) e Eduardo Girão (Novo-CE), mas foram rejeitadas pelo relator. A decisão de Castro gerou críticas por parte dos parlamentares da oposição.
Castro sustentou que a urna eletrônica é segura, auditável e já foi exaustivamente testada, sem registro de fraude desde sua adoção, em 1996. “O Brasil já fez 15 eleições gerais e municipais nesse período e nunca houve qualquer comprovação de fraude do sistema”, escreveu no parecer.
“A impressão do voto representaria enorme dificuldade operacional, com a instalação de impressoras, que são equipamentos altamente suscetíveis a problemas mecânicos, além de ampliar, significativamente, o custo das eleições”, argumentou Castro.
O texto do novo Código Eleitoral consolida em uma única norma cerca de 30 leis eleitorais hoje espalhadas pelo ordenamento jurídico e promete remodelar as regras do jogo para as eleições futuras. A proposta visa atualizar e sistematizar as regras eleitorais brasileiras e recebeu 373 emendas, das quais 335 foram analisadas.
No parecer favorável à proposta, publicado nesta segunda (7), o relator acolheu integralmente ou de modo parcial aproximadamente 40 emendas e apresentou um substitutivo (texto alternativo) ao projeto original.
Em outro ponto alvo de discussões, o parecer não revoga nem altera a Lei da Ficha Limpa, mas reforça seus fundamentos ao prever cassação por abuso de poder político e manter critérios rígidos de inelegibilidade para autoridades. Uma emenda que buscava flexibilizar essas regras foi rejeitada pelo relator.
A expectativa é de que a CCJ conclua a análise do texto nesta quarta, para que ele possa avançar na tramitação legislativa. Se aprovado na CCJ, o PLP 112/2021 ainda precisará passar pelo plenário do Senado e depois pela Câmara dos Deputados. A meta é que as novas regras possam valer já a partir das eleições gerais de 2026, o que dependerá do cumprimento da regra da anualidade eleitoral. Ela prevê que mudanças nas regras das eleições precisam ser aprovadas pelo menos um ano antes do pleito.
Oposição critica rejeição de emenda sobre o voto impresso
A rejeição do voto impresso foi criticada por parlamentares da oposição, incluindo os autores das emendas. O senador Eduardo Girão (Novo-CE) afirmou à Gazeta do Povo que o relator “está a serviço do sistema” e contra a maioria da população que gostaria de “mais transparência nas eleições”. “O sistema escalou. Como escalou ele também para aumentar o número de deputados. Com todo respeito a pessoa”, criticou.
Girão ainda ressaltou que a rejeição da emenda representa um “cerceamento do debate” e cobrou que outros partidos apresentem um destaque para votar a implementação do voto impresso.
“Infelizmente, o Novo, pelo tamanho que tem dentro do Senado, não tem direito a destaque, mas eu espero que colegas dos outros partidos, PL, PP, enfim, outros que tenham direito a destaque, façam pra gente votar. Eu ainda estou na esperança que a gente possa aprovar isso e rejeitar outras coisas absurdas, por exemplo, o desmanche da Lei da Ficha Limpa”, afirmou o parlamentar cearense.
De acordo com o líder do Novo, “tem uma série de aberrações nesse projeto que estão querendo votar a toque de caixa”. Ele também criticou o fato de o projeto ser votado na véspera do recesso parlamentar e considera “precipitado”. “Se não dá para melhorar, que não piore. A sociedade quer mais transparência, e isso aí é o mínimo”, salientou Girão.
Líder da oposição no Congresso, o senador Izalci Lucas (PL-DF) classificou a decisão do relator como ideológica e anunciou que apresentará destaque à emenda sobre o voto impresso na própria CCJ e novamente em plenário.
“A questão não é só o voto impresso. O que a gente precisa é que o voto seja auditável. Eu, como auditor, só confio naquilo que é auditável. O que não é auditável não é confiável”, disse à Gazeta do Povo. “Será que a urna é mais segura do que o sistema financeiro, que sofreu ataque de hackers recentemente?”, questionou.
Na opinião do senador, há “desconfiança generalizada da população” e o “sistema precisa transmitir segurança”. “Não tem sentido o relator ter tanta confiança assim numa ferramenta tecnológica, em pleno avanço da inteligência artificial. O correto seria aperfeiçoar o sistema, não blindá-lo”, criticou.
VEJA TAMBÉM:
Barroso afirma que mentir precisa voltar a ser considerado errado e defende regulação na internet
Senador aposta em parecer da PF com defesa do voto impresso para emplacá-lo em lei
Especialista em Direito Eleitoral afirma que rejeição do voto impresso é coerente
O advogado Peterson Vivan, especialista em Direito Eleitoral, afirmou que o novo código é uma medida “salutar e desejável”. Segundo ele, será a sistematização de uma ferramenta para tornar o processo mais transparente e seguro. “Vejo com bons olhos qualquer esforço que torne o sistema mais claro, estável e acessível, especialmente em um cenário onde a complexidade domina e acaba gerando incertezas”, declarou.
Sobre o voto impresso, Vivan considerou coerente a rejeição da emenda: “Tecnicamente, não há indício de fraude nas 15 eleições realizadas sob esse sistema. A urna eletrônica, implantada em 1996, nasceu justamente para conferir credibilidade ao processo eleitoral”, argumentou.
Para ele, a redução do uso de papel e da interferência humana são “os principais pontos de vulnerabilidade e contestação”. Por isso, o advogado defendeu que a pacificação sobre o assunto exige mais do que uma canetada legislativa.
“O voto impresso transformou-se em uma pauta e, como tal, dificilmente se encerrará apenas com a rejeição legislativa. Ao meu ver, a pacificação exige um esforço mais amplo: educação política, confiança nas instituições e transparência ativa por parte da Justiça Eleitoral”, disse.
Parecer cita responsabilização por fatos “sabidamente inverídicos”
Apesar de citar a liberdade de expressão, o relator salientou no parecer que a divulgação de fatos “sabidamente inverídicos” que atentem contra o equilíbrio do pleito poderá gerar responsabilização cível, penal e eleitoral. “A desinformação e a desconstrução de figuras políticas a partir de fatos sabidamente inverídicos ou substancialmente manipulados devem ser rapidamente reprimidas pela Justiça Eleitoral, por configurarem verdadeira falha no livre mercado de circulação de ideias políticas”, afirmou o relator.
Diz o trecho que configura crime eleitoral de campanha: “[…] Divulgar, no âmbito da propaganda eleitoral, a partir do início do prazo para a realização das convenções partidárias, fatos sabidamente inverídicos para causar atentado grave à igualdade de condições entre candidatos no pleito ou embaraço, desestímulo ao exercício do voto e deslegitimação do processo eleitoral […]”. Diante disso, a previsão é de:
“Pena – reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa.
§ 1º Nas mesmas penas incorre quem produz, oferece ou vende
vídeo referente aos fatos descritos no caput desse artigo.
§ 2º Aumenta-se a pena de 1/3 (um terço) até a metade se o
crime:
I – é cometido por intermédio da imprensa, rádio ou televisão,
ou por meio da internet ou rede social, ou é transmitido em tempo real;
II – envolve menosprezo ou discriminação à condição de mulher
ou à sua cor, raça ou etnia;
III – é praticado com o uso de artifícios para a criação ou
adulteração de conteúdo audiovisual simulando, de modo realista, a
participação de candidato a cargo eletivo identificável em situação envolvendo
conteúdo de cunho sexual explícito.
§ 3º Se a conduta é praticada valendo-se de campanha de
anúncio ou impulsionamento, contratação de pessoas, utilização de estrutura
comercial, de tecnologias, programas ou aparatos para disparos de mensagem
em massa ou qualquer meio que tenha por objetivo aumentar a difusão da
mensagem, a pena será acrescida de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços).
§ 4º Se a conduta é praticada para atingir a integridade dos
processos de votação, apuração e totalização de votos, com a finalidade de
promover a desordem ou estimular a recusa social dos resultados eleitorais, a
pena será acrescida de metade a 2/3 (dois terços)”.
No parecer, Castro incluiu trecho que informa que será considerado “discurso de ódio a veiculação de qualquer preconceito baseado em raça, cor, etnia, religião, origem ou orientação sexual.”
O substitutivo do relator também mantém a centralidade da Justiça Eleitoral nos processos de fiscalização e auditoria das urnas, mas deixa brechas para ampliação da participação de entidades fiscalizadoras. “O TSE é o órgão público encarregado da realização das eleições e do aperfeiçoamento dos procedimentos necessários, dispondo de corpo técnico especializado. É, portanto, totalmente adequado que a coordenação das auditorias fique sob responsabilidade da Justiça Eleitoral”, diz o relator.
Entre outras mudanças no texto, o relator sugere:
- Proibição de cheques em campanhas eleitorais.
- Vedação à promoção pessoal em perfis privados de agentes públicos durante o ano eleitoral.
- Reforço na transparência e prestação de contas de partidos.
- Críticas à tentativa de uso do voto impresso como mecanismo político de desconfiança.
VEJA TAMBÉM:
PEC da Segurança Pública será votada na CCJ com alta resistência e risco de rejeição
O que o Congresso e o governo devem levar para mesa de negociação com Moraes na crise do IOF
Sistematização é avanço, mas há zonas cinzentas, diz jurista
Para o advogado e ex-juiz Adriano Soares, especialista em Direito Eleitoral, o substitutivo tem “mais avanços do que retrocessos”. Ele destaca a unificação dos procedimentos processuais e o limite imposto ao poder normativo do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
“Hoje o TSE tem um poder concorrente com o Legislativo, o que é um erro. A proposta impede que o Tribunal crie sanções ou regulamentos sem base em lei. Isso corrige excessos como os de 2022, quando o TSE definiu regras para plataformas digitais e derrubou conteúdos por resolução”, declarou.
Soares elogiou ainda a adoção da detração no cálculo de inelegibilidade, evitando que condenações ainda recorríveis se somem aos oito anos previstos na Ficha Limpa. Segundo ele, a medida corrige um trecho da lei que fazia com que políticos condenados provisoriamente ficassem inelegíveis por tempo superior a oito anos. Agora, o período durante os recursos em que o postulante ao cargo já estiver impedido de se candidatar será abatido do total da condenação final, limitando o tempo máximo de inelegibilidade a oito anos, como prevê a Constituição.
Por outro lado, ele apontou risco na forma como o projeto tipifica o discurso de ódio e combate à desinformação. “A definição de “desinformação” e “discurso de ódio” continua vaga. Isso abre espaço para decisões subjetivas e insegurança jurídica. Um candidato pode ser punido por uma manifestação legítima, se ela for interpretada como preconceituosa. Isso precisa de clareza”, destacou.
Ele também alertou para o debate sobre cotas de gênero, tendo em vista que o projeto quer garantir 30% das cadeiras às mulheres, não só das candidaturas. “Isso é o embate que está havendo e me parece que é o grande ponto de discussão nesse momento. Se nós teremos cotas das cadeiras destinadas às mulheres, mais cotas de candidatas, ou se nós só teremos cotas de cadeiras. E aí cada partido e cada federação estabelece quantas concorrerão ou não, de acordo com a viabilidade de votos”, disse Soares.
TSE afirma que urnas são seguras
Quando questionado sobre o tema, o TSE já afirmou que as “urnas eletrônicas são seguras, são confiáveis, e não há nenhuma indicação segura de que não protegem o sigilo e a veracidade do voto de todos os brasileiros.”
Em 2023, quando ainda era presidente do TSE, o ministro Alexandre de Moraes afirmou em uma palestra que a Corte Eleitoral não pode aceitar críticas às urnas para “garantir a democracia”. De acordo com a assessoria de comunicação do TSE, o ministro ainda afirmou que “colocar em xeque a eficiência das urnas eletrônicas e do trabalho executado pela Justiça Eleitoral significa duvidar da própria democracia brasileira”.
Além dele, o ministro Luís Roberto Barroso também fez críticas aos debates sobre o voto impresso e afirmou em que a discussão em 2022 foi um retrocesso e que, na visão dele, sugeria a solução para um problema inexistente.
Já o ministro Kassio Nunes Marques, que atualmente é o vice-presidente do TSE, disse que a discussão sobre o voto impresso cabe ao Congresso e que a cúpula da Justiça Federal não deve opinar. “No tocante ao debate acerca da implantação da recontagem física dos votos ou a impressão de registros individuais dos votos lançados eletronicamente, entendo que esse debate cabe ao Congresso Nacional, não devendo órgão de cúpula da Justiça Federal emitir opinião acerca do tema”, afirmou Nunes Marques. A declaração foi dada em novembro de 2024 durante uma audiência sobre voto impresso auditável na Câmara dos Deputados.
COMENTÁRIOS